quinta-feira, 14 de maio de 2020

#308 - RECADO (QUASE PROSAICO) AO QUE CHEGOU DE CEUTA A MANQUEJAR DUM OLHO (Vergílio Alberto Vieira)

     Tão logo os bronzes do império (que, em nos enriquecendo, mais pobre nos tornaram) aquém dos continentes emudeceram na razão, e outra é já a nossa indústria, camarada.
     Não que outro seja o rude tímpano de outrora, não que outra seja a gente surda:
     O verbo a mesma lira destempera.
     E cansa a mesma pátria: metida / No gosto da cobiça e na rudeza / De uma austera, apagada e vil tristeza*.
     Destarte, olha que, poragora, de baldias esperanças ainda nos mantemos!
     Os que ao reino tanta riqueza tiraram p'ra seu uso, do teu saber outro saber fizeram; e das artes, ousado bem com que, ante o favor da musa, nos cantaste, o coração e a alma ratearam.
     Porisso, mais enfastia o que sobeja!*
     Muito cumprimos por preço bem mesquinho, nós que, pelas armas, ainda há pouco, em áfricas buscados, errávamos de nosso fundamento.
     O que da espada é brilho em nada nos protege.
     O que pela pena é ouro desta idade, em pouco ou nada, do culto nos corrige.
     Mas por quanto erros adoece a pátria tua amada, há-de este povo porfiar um dia desperto para a luz de um bem regido e sábio entendimento.

 











* Luís de Camões
e Sá de Miranda 

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