quinta-feira, 2 de julho de 2020

#327 - CORAÇÃO HABITADO (Eugénio de Andrade)

Aqui estão as mãos.
São os mais belos sinais da terra.
Os anjos nascem aqui:
frescos, matinais, quase de orvalho,
de coração alegre e povoado.


Ponho nelas a minha boca,
respiro o sangue, o seu rumor branco,
aqueço-as por dentro, abandonadas
nas minhas, as pequenas mãos do mundo.


Alguns pensam que são as mãos de Deus
-- eu sei que são as mãos de um homem,
trémulas barcaças onde a água,
a tristeza e as quatro estações
penetram, indiferentemente.


Não lhe toquem: são amor e bondade.
Mais ainda: cheiram a madressilva!
São o primeiro homem, a primeira mulher.
E amanhece.



Sem comentários:

Enviar um comentário