todas as manhãs um cão entrava nos seus passos para lhe fazer companhia.
colocou tudo dentro de uma rasura de soneto e fechou a porta.
fechar a alma era coisa já antiga. como uma rosa que esqueceu o seu nome e já não sabe as palavras de cor.
a vida poucas vezes lhe deu tempo de guardar no bolso o que era do silêncio, esse riso de hiena armadilhado que põe mel no rumor do medo.
chegou ao Campo de São Francisco à hora que acordara.
a morte já lá estava com as asas recolhidas.
sentou-se, deu ao cão um longo afago, aconchegou-o junto às suas pernas, e deixou pousar nos lábios o sal de duas lágrimas.
depois, devagarinho, tirou do bolso a mão direita e deu dois tiros na morte.
no chão, desde aquele dia, ficou o recorte de uma sombra.
quem a vê, dá-lhe o nome de sudário.
e reza.
Ilha de S. Miguel, Açores
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